quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Santa Casa II (a outra versão)

Gêmeos morrem após rejeição de grávida

Por falta de leito para internação, uma mulher grávida de gêmeos (dois meninos), com sete meses de gestação, perdeu ontem os filhos após passar horas tentando atendimento na Santa Casa e Hospital das Clínicas. Informado do ocorrido, o governo do Estado agiu rápido, exonerando a presidente da maternidade.


O martírio do casal começou na madrugada de ontem. Por volta das 3h, o auxiliar de cozinha Raimundo Cícero Gomes Farias, 33 anos, saiu às pressas do bairro de Itaiteua, distrito de Outeiro, levando de ônibus sua companheira, Vanessa do Socorro de Castro Santos, de 27 anos, que sentia fortes contratações, à Fundação Santa Casa de Misericórdia, em Belém. Portadora de lúpus (doença autoimune), Vanessa fazia acompanhamento regular por causa da gravidez de risco. Já sabia que o parto poderia ocorrer a partir do sétimo mês.

Uma hora depois, o casal chegou à Santa Casa, onde aumentou o martírio. “Com meus dois filhos prestes a nascer e o porteiro dizendo para procurar outro hospital por falta de leito, fiquei em desespero. Após muitas tentativas frustradas, resolvemos ir de táxi ao hospital mais próximo: o Hospital Gaspar Vianna. Lá, mais uma vez, negaram o atendimento à minha esposa”, disse. Sem ter para onde ir, o casal ficou na calçada por hora e meia. Como o quadro se agravou, o serviço de resgate dos Bombeiros foi acionado e levou Raimundo e Vanessa para a Santa Casa novamente.

Entretanto, a grávida teve novamente o atendimento negado. “Não deixaram que a viatura entrasse na Santa Casa e o soldado ficou cerca de vinte minutos tentando convencer a médica a atendê-la”, afirmou o tenente Piquet, do Corpo de Bombeiros. Segundo o oficial, ao tomar conhecimento que o caso configurava omissão de socorro, o soldado bombeiro Francisco Cesar deu voz de prisão à ginecologista obstetra da Santa Casa, Cinthia Lins.

Enquanto o militar e a médica debatiam o procedimento que deveria ser adotado, do lado de fora, socorristas dos bombeiros iniciavam o parto do primeiro menino, ainda no interior do veículo. “A situação exigiu que um socorrista fizesse o parto dentro da ambulância, mas, infelizmente, o bebê já nasceu sem vida”, disse Piquet.

Somente com a gravidade do fato, por volta das 7h30, a entrada da ambulância foi liberada e Vanessa foi atendida. “Infelizmente, com base em informações que foram levantadas, o segundo menino também morreu momentos depois do parto, realizado por médicos da própria Santa Casa”, revelou o oficial.

Em seguida, a equipe do Corpo de Bombeiros pediu apoio a uma viatura da Polícia Militar para conduzir os envolvidos à Seccional Urbana do Comércio. Enquanto isso, Vanessa permaneceu internada no hospital.

“Foi negligência, estou falando. Há vinte dias, o médico disse que estava tudo saudável. A gente quer justiça. Comprei tudo para eles, já estava só esperando. Agora vou chegar e encontrar só as roupinhas”, disse Raimundo.

Após cinco horas no distrito policial, Cinthia Lins negou, à imprensa, que tenha havido omissão de socorro por parte dos médicos. “Se a ambulância não tinha conseguido entrar na fundação, deve ter acontecido algum problema na portaria do hospital e não com o departamento médico. A partir do momento que um paciente entra no hospital, é dever do médico atendê-lo”.

LIMITAÇÕES

Segundo ela, o procedimento do parto exigia uma infraestrutura hospitalar que não estava disponível naquele momento na Santa Casa. “Quando os soldados do Corpo de Bombeiros chegaram, estávamos prestando esclarecimentos sobre as limitações físicas em relação à superlotação e a falta de leitos na Fundação Santa Casa. Inclusive, o hospital está operando de ‘portas fechadas’ por falta de vagas para atendimento”, afirmou.

A médica esclareceu ainda que suas atividades no hospital iniciaram por volta das 7h e não sabe informar sobre as circunstâncias do motivo da primeira negação de atendimento à mãe, ocorrido durante a madrugada.

O diretor do Sindicato dos Médicos do Pará (Sindmepa), Wilson Machado, criticou a forma como as acusações foram conduzidas. “É preciso ter consciência que o principal culpado desse triste episódio é o sistema de saúde pública. Os médicos não podem ser responsabilizados pela falta de leitos e a estrutura precária dos hospitais”, destacou.

Em nota, o Sindmepa informou que vai “dar todo o apoio jurídico e institucional aos colegas envolvidos e que vai procurar, novamente, as autoridades de segurança do Estado, a fim de discutir, mais uma vez, a caracterização da chamada omissão de socorro, porque, se a interpretação sobre o tema continuar desvirtuada como está, ficará inviável para a categoria continuar a trabalhar no sistema público, especialmente na urgência e emergência (Diário do Pará, com informações do site UOL).

DEPOIMENTOS

Ao longo da manhã, a delegada Maria Perpétua do Socorro Picanço coletou os depoimentos para apurar o caso. Socorristas do Corpo de Bombeiros foram os primeiros a prestar declarações, em seguida, Raimundo Cícero Gomes Farias (pai dos gêmeos) e por último a médica Cinthia Lins. “Todos os testemunhos serão cuidadosamente analisados para ser adotado o procedimento. A princípio consideramos duas hipóteses: o homicídio culposo ou omissão de socorro”.

Governador exonerou presidente da fundação

O governador Simão Jatene exonerou na tarde de ontem, 23, a presidente da Fundação Santa Casa, Maria do Carmo Lobato, e a chefe do setor de Tocoginecologia do hospital, Florentina Balby, tão logo tomou conhecimento da morte de dois bebês prematuros provocada pela falta de atendimento naquela casa de saúde.

Jatene soube do episódio no intervalo de uma série de audiências com ministros do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, e ficou visivelmente indignado. “É inadmissível! Não existe nada, absolutamente nada mais importante em um hospital, seja qual for a circunstância, do que a preservação da vida”, advertiu o governador. “Há protocolos, regulações, definições de responsabilidades em relação ao atendimento. Mas nada disso - repito: nada! - é maior do que a vida de uma pessoa”, definiu.

Ele deixou claro ainda que o governo tem o dever de admitir os erros e procurar consertá-los imediatamente, para que não se repitam nem se tornem viciosos. “O Estado errou. É preciso ter coragem de assumir. Não se pode ficar transferindo responsabilidades. Foi por isso que determinei a imediata exoneração dos gestores envolvidos”, completou. “Ninguém é obrigado a se tornar servidor público. Mas se você faz essa opção tem de abraçar e cumprir todas as suas responsabilidades”.

O secretário de Saúde, Hélio Franco, reafirmou as orientações de Simão Jatene. “Maternidade é emergência. Todo bom médico sabe disso. Não se pode encaminhar uma gestante para outro hospital sem que ela passe por uma avaliação, ainda que o hospital esteja lotado”.

O governador lembrou que a área de Saúde é justamente uma das que mais têm recebido atenção do governo do Estado nos últimos sete meses. A Agenda Mínima do Governo prevê investimentos de 480 milhões de reais em Saúde, acaba de ser autorizada a expansão de hospitais regionais, foram nivelados os valores dos plantões médicos, equiparando-os aos mais altos da rede particular, Belém ganhará este ano um novo hospital público, o Ophir Loyola teve sua área de triagem humanizada e metade das máquinas de hemodiálise previstas para serem entregues até o fim de quatro anos já está em operação.

O próprio governador Simão Jatene se reúne regularmente com os gestores uma vez por mês para assegurar essa dedicação. “Tenho dito, nessas reuniões, que o maior remédio para a aflição dos pacientes é o tratamento respeitoso, o amor, o carinho no atendimento, a atenção desmedida. Foi justamente isso que não aconteceu na Santa Casa neste momento e que resultou nessa tragédia”, lamentou.

O governador determinou ainda que a família de Vanessa Farias, mãe dos bebês que permanece sob cuidados médicos, receba toda a atenção possível do Estado.

VERSÃO

A grande quantidade de recém-nascidos prematuros na Santa Casa foi a justificativa usada por Maria do Carmo Lobato - antes de ser afastada do cargo-, para explicar a recusa no atendimento a Vanessa. Segundo ela, os espaços disponibilizados para atendimento de prematuros na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e no Centro Tratamento Intensivo (CTI) são de apenas 107 vagas, sendo que já estão em atendimento 123.

Maria do Carmo informou que desde a última sexta-feira os funcionários da Santa Casa foram orientados a não receber nenhuma grávida com parto prematuro por causa da superlotação e que deveria ser feita uma triagem rigorosa antes que a paciente desse entrada no hospital. “Nós temos leito para as mães, mas não temos para os filhos prematuros”.

Maria do Carmo afirma que a atitude da médica foi a correta, pois não havia local para internar a criança. O secretário Hélio Franco informou que será aberto um processo administrativo disciplinar para apurar a postura da médica.

Maria do Carmo explicou que tem realizado reuniões com as secretarias de saúde para tentar solucionar o problema. “A Sespa e a Sesma já foram informadas de que existem outras maternidades nas quais as grávidas podem ser encaminhadas e que são conveniadas ao Sistema Único de Saúde”.

A assessoria do Hospital de Clínicas informou que está apurando o caso, pois não há nenhum registro de que Vanessa tenha tentado dar entrada no local. Ainda segundo o hospital, a ordem é que nenhum atendimento pode ser negado ou encaminhamento feito sem falar com algum médico. (Agência Pará)

Fonte: http://diariodopara.diarioonline.com.br

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